Entrevista Imyra - Filha do Taiguara
Ricardo Schott Em: 19/11/2005
Que a MPB é repleta de discos desconhecidos e artistas subestimados, disso ninguém tem a menor dúvida. Está aí Imyra, Tayra, Ipy, disco do cantor Taiguara, lançado originalmente em 1976 pela EMI-Odeon, para provar isto. O álbum está, atualmente, disponível em CD no Japão pela EMI-Toshiba, e nunca foi resgatado no formato digital em seu país de origem. No Brasil, por sinal, o disco é pouco conhecido até mesmo em LP. Perseguido pela censura graças às suas canções de cunho político - apesar de famoso por sucessos românticos como "Universo no teu corpo", Taiguara foi até mais censurado do que artistas como Caetano Veloso e Chico Buarque, com cerca de 90 canções vetadas - o cantor conseguiu a "proeza" de ter seu disco retirado à força das lojas apenas 72 horas depois de seu lançamento.
- Algumas informações indicam que o disco foi retirado de algumas lojas até antes disso - informa Imyra Silva, filha do cantor, falecido em 1996 - Uma fã contou que o dono de uma loja a avisou sobre o lançamento na mesma manhã e, como ela estava sem dinheiro, ele deixou que ela levasse o disco para pagar no próximo dia. Ela levou o LP, voltou à loja no dia seguinte e descobriu que tinha sido uma das poucas privilegiadas a adquirir o disco. A censura militar retirou todos os exemplares do estoque em menos de 24 horas.
Citado recentemente como um dos discos preferidos do cantor Lenine - que diz ter aberto a cabeça para a música brasileira graças a ele - Imyra, Tayra, Ipy poderia ser considerado um marco da MPB, não fosse a censura. O disco mistura, em doses iguais, brasilidade, psicodelia, progressivismos, experimentações e preciosismo orquestral, em faixas como "Aquarela de um país na lua", "Delírio transatlântico e chegada no Rio", "Samba das cinco", "Sete cenas de Imyra" (em homenagem à filha, então um bebê) e "Como em Guernica", claros cruzamentos entre Tom Jobim, Villa-Lobos e grupos prog como o Gentle Giant.
Ajudado por amigos como Hermeto Paschoal e Wagner Tiso, Taiguara fez arranjos, regeu e teceu odes à liberdade nas letras, o que não agradou nada à censura vigente, que já o conhecia de outros carnavais. Só para se ter uma idéia, o álbum surgiu logo após o retorno de Taiguara - que era uruguaio naturalizado brasileiro - ao país. O cantor ficara quase dois anos em Londres, onde chegou a gravar um disco até hoje inédito, e igualmente censurado. Detalhe: Let the children hear the music, o tal disco, tinha 90% de suas letras em inglês!
- Meu pai sofreu muitos problemas com a censura, mais do que o público geral imagina. A historia deste LP está perto de ser esclarecida. São gravações que haviam sido dadas por perdidas até pelo meu pai, pois ele mesmo as retirou do estúdio. Ele temia que fossem destruídas pelos agentes da censura e deixou os tapes aos cuidados de uma pessoa na França, a qual ele nunca mais conseguiu encontrar. Mas, esta é uma historia muito longa, de muitos anos, que vamos reconstituir - diz Imyra, que vem investigando tudo a respeito do disco.
No período de exílio, Taiguara aproveitou para estudar música e observar o Brasil de longe.
- Ele gravou Let the children..., se aprofundou nos estudos de composição e arranjos no Ghildhall School of Music e tocou com a orquestra sinfônica de Londres. Também foi uma experiência importante para que ele pudesse ver a situação de seu país com maior clareza. Ele compôs canções lindíssimas, que falavam da saudade de sua terra, o sofrimento de seu povo e a opressão do governo durante esta época.
Essa experiência vazou para Imyra, Tayra, Ipy, que foi cuidadosamente gestado nos antigos estúdios da velha Odeon, em Botafogo. Hiper-elaborado, o disco trazia capa dupla e uma série de encartes, com desenhos, fotos (documentando com riqueza de detalhes o processo de gravação) e letras rascunhadas. Entre os detalhes do encarte, há uma divertida seqüência de fotos que mostra o multi-músico Hermeto Paschoal deitado no chão do estúdio, enrolado em folhas de papel, gravando metais para o disco.
- O time de músicos que se uniu para gravar o LP é algo raro na historia da MPB. Foram mais de 80 músicos, todos talentosíssimos em suas respectivas funções - diz Imyra, aproveitando para revelar um caso pitoresco a respeito de seu pai - Ele era muito perfeccionista. O Nivaldo Duarte, técnico de mixagem do LP, teve que se internar em uma clinica de recuperação após as gravações. Ele estava com estresse agudo, devido a dificuldade de satisfazer os ouvidos exigentes do Hermeto Paschoal e do Taiguara.
Outra grande dificuldade foi a de driblar a censura, que não deixou Taiguara em paz. O cantor foi obrigado a assinar o álbum inteiro usando seu sobrenome (Chalar da Silva) como nome "artístico". A mãe de Imyra, Gheisa Chalar da Silva, teve de assinar as canções mais politicamente incisivas do disco, "Público", "Situação" e "Terra das palmeiras", todas escritas por Taiguara. O encarte indicava que as músicas tiveram problema de "edição" - um eufemismo dos brabos para a censura violenta que rolava nos anos 70.
- Na época, o relacionamento dele com os censores já havia se deteriorado. O conteúdo das letras já não importava, o problema era obviamente pessoal. Já não queriam nem escutar o nome Taiguara. Independente do conteúdo, canções da autoria dele já eram, na maioria das vezes, automaticamente vetadas. - diz.
- O Imyra, Tayra, Ipy é um trabalho que nos foi negado pela ditadura há quase três décadas. Não é justo que só o Japão possa desfrutar de uma parte tão importante de nossa herança cultural. O reconhecimento internacional é maravilhoso, mas o disco deveria estar disponível primeiramente para venda no mercado brasileiro. É uma situação lastimável. - afirma a filha do cantor. - A campanha é um apelo à EMI para disponibilizar esta obra aqui, para que todos nós possamos ter acesso a este disco em nossas lojas.