Taiguara - Imyra Tayra Ipy - Os músicos

Entrevista Zé Eduardo Nazário - Bateria/Percussão

Você foi chamado a participar do Imyra pelo próprio Taiguara, por indicação de algum dos produtores ou de músicos?

Em 1975 eu tocava bateria e percussão no grupo do Hermeto. Morávamos em São Paulo, e quando ele aceitou fazer os arranjos e participar das gravações, pediu ao Taiguara para levar seu percussionista, pelo entrosamento musical e pessoal que tínhamos e por confiar em meu trabalho. Taiguara, mesmo não me conhecendo pessoalmente, aceitou a sugestão e lá fomos nós para o Rio, naquele trem noturno, com todos os instrumentos e sacolas de percussão, com a previsão de passar um mês trabalhando entre ensaios e gravações, que era um tempo previsto para finalizar o projeto.

Recorda se teve algum músico que deveria entrar e que não aceitou o convite? Você sabe a razão de não tê-lo aceito?

Foi formado um grupo de base, a "cozinha", composta por Nivaldo Ornellas, Toninho Horta, Novelli, Paulo Braga e eu, mais o Hermeto e o Taiguara. Como faz muito tempo, não posso afirmar categaoricamente, mas tenho a impressão que o baixista que chegou a participar do primeiro ensaio era o Luis Alves, mas não sei porque motivo ele não podia continuar, então veio o Novelli e a partir daí as coisas seguiram seu rumo natural.

Vocês ensaiaram muitas vezes antes de gravar?

Hermeto estava hospedado na residência do Taiguara, na Barra da Tijuca, onde ocorriam os ensaios. Ali eles iam discutindo e preparando os arranjos, e eram realizados 3 ou 4 ensaios por semana, pois a idéia era que fôssemos com a base mais ou menos pronta, para gravar o mais rápido possível, para que pudessem colocar depois toda a orquestração, solos, vozes etc. Em algumas músicas, se não me falha a memória, o frevo (Primeira Bateria) gravamos com todo mundo junto, mas como havia muita gente envolvida, sopros, cordas, côro, e as gravações na época eram feitas por partes, em "playback", era preciso otimizar o tempo. Creio que havia uma previsão de tempo de estúdio, um orçamento a ser cumprido, essa foi a razão de ter sido feito dessa forma.

Os músicos tinham liberdade de improviso e criação durante os ensaios?

Com músicos dessa qualidade se propondo a fazer parte da preparação de um trabalho, é natural que as idéias de todos fossem incorporadas, com excessão dos arranjos escritos para orquestra, é claro, mas havia espaço para que contribuíssemos para tornar melhor o resultado final de cada música, não só nos ensaios, mas também durante as gravações.

Como era o clima destes ensaios?

Com excessão do Taiguara, de quem me tornei amigo a partir desse convívio que tivemos, todos os outros músicos eram como irmãos, pois já tínhamos uma relação profissional e pessoal de longa data. Nos divertíamos muito durante esse período em que estivemos juntos. Pode ser difícil para quem não os conhece, mas para quem conhece é fácil imaginar como era o clima!!!

E das gravações?

Todos foram extremamente profissionais, demonstrando grande respeito uns pelos outros. Conheci músicos que vieram a ser grandes parceiros, como o Mauro Senise e o Márcio Montarroyos, que tocaram com o Grupo Um nos anos seguintes, outros que eram ídolos do meu início de carreira, como o J.T. Meirelles. O estúdio estava forrado de músicos célebres, misturando-se sem preconceito a nós, os mais jovens então, simplesmente para produzir música.

Você ficou surpreso com o conteúdo do trabalho que iriam gravar?

Como eu trabalhava com o Hermeto desde 1973, e anteriormente já tinha tocado com muita gente boa, como Tenório Jr., Luiz Eça, Vitor Assis Brasil, Cláudio Roditi, Edison Machado me passava as baquetas para que eu desse canja com seu grupo, enfim, surpreso não é bem a palavra para definir o que eu senti com o conteúdo do trabalho. Acho que satisfação definiria melhor a sensação que tive ao realizá-lo

Neste trabalho, o numero sete esta presente em varias circunstâncias: As sete primeiras canções são interligadas, cada lado do LP tem sete faixas e a canção “Sete Cenas de Imyra” é composta em compasso 7/8. O simbolismo destas coincidências lhes foi explicado por Taiguara?

Observei que o Taiguara tinha uma maneira "cabalística" de agir em certos aspectos. Lembro-me que sua casa era toda lilás por dentro e ele me disse que era devido à vibração que esta cor produzia, era algo em que ele acreditava, tinha suas convicções. É bem provável que houvesse algo em torno do número 7, mas não me lembro de ele ter tocado nesse assunto.

Você chegou a ouvir o resultado final do trabalho?

Sim, é claro. Sempre tive o hábito de procurar ouvir o resultado final dos trabalhos dos quais participo.

Você tem o disco, ou já teve?

Sim, tenho o disco. Comprei em São Paulo, logo que saiu. Como os próprios artistas não tinham acesso a discos promocionais, tínhamos que comprá-los, só assim podíamos ouvir nossos trabalhos.

Você ouviu o cd remasterizado, percebeu alguma diferença na qualidade? Qual ou quais?

Não, nunca ouvi. Quem me falou que o cd tinha saído no Japão, e que estava muito bom foi o meu amigo Arnaldo De Souteiro.

Em algum momento o conteúdo sócio-político de denúncia expressado nas letras do disco Imyra, comprometeu a estética do trabalho?

Não, pelo contrário. Acho que a música que foi tocada tem tudo a ver com as letras, e vice-versa.

Caberia o termo "panfletário" para designar este disco?

A realidade de uma época provoca reações, como a famosa lei da física, este é o caso.

Durante as gravações os músicos fizeram uma greve, você participou? Como foram estas negociações?

Quando acabamos nossa parte no trabalho, ainda restavam muitas coberturas (playbacks) a serem feitas, se não me engano o Wagner Tiso e o Taiguara se encarregaram de terminar de fazê-las. Tínhamos concertos agendados com o Hermeto em São Paulo e pegamos o trem de volta. Sobre a greve, não soube como foram essas ocorrências. Não notei nada de anormal, tenho uma vaga lembrança de algo assim, mas com o pessoal das cordas, que eram músicos da Sinfônica Brasileira, talvez tenha sido com eles o problema, mas não posso afirmar.

Os músicos durante os intervalos dos ensaios e das gravações conversavam sobre música, política ou apenas trivialidades?

Não é possível determinar todas as conversas de todos os músicos, mas provavelmente tudo isso que foi citado na pargunta fazia parte dos assuntos que vinham à baila em momentos de descanso durante as gravações.

O que mais te chamou atenção neste trabalho?

bateria Gretsch que acabei comprando do Taiguara, com o dinheiro que recebi da gravação. Estava precisando muito de um bom instrumento, e sou grato a ele por ter concordado em se desfazer dele, pois era muito difícil na época encontrar um instrumento como aquele. O Taiguara, inclusive, viajou à São Paulo, para assistir ao concerto em que "inaugurei" a nova bateria.

Você iria participar do show de lançamento no dia 1º de maio de 1976, nas Ruínas das Missões? Quando e como ficou sabendo do cancelamento do show? Você já estava na cidade de São Miguel do Sul? Estavam todos?

Não. Desse show eu não fiquei sabendo, talvez devido ao fato de estar em São Paulo com outros trabalhos em andamento e não houve nenhum contato do Taiguara comigo, para que eu fizesse parte. Acho que o Hermeto também não tocou nesse assunto comigo, não sei se ele iria participar ou não.

Você sabia que algumas músicas seriam publicadas com o nome de Chalar da Silva, e que as mais enfáticas seriam creditadas a Gheisa Gomes Chalar da Silva, esposa do Taiguara na época, na tentativa de driblar aos censores? Além do cancelamento do espetáculo no dia 1º de maio, os discos que haviam sido colocados no mercado foram recolhidos, você sabe se alguém em jornal, rádio ou tv , falou sobre o assunto?

O Taiguara comentou comigo sobre essa questão da censura e dos nomes trocados. Ele me disse que não importava qual fosse a letra: se alguma música chegasse com o nome dele, seria automaticamente censurada.

Sobre os discos, não sabia disso, pois não foi comentado nem mesmo pelo Taiguara, quando nos encontramos algumas vezes depois das gravações. Sei que trabalhos elaborados com a riqueza musical que esse e tantos outros feitos no Brasil, desde a década de 50 até hoje, não despertam grande interesse na mídia e vão na contramão do que querem os que comandam os órgãos de difusão, seja tv, rádio ou intermediários do "show business" que impedem e dificultam que seja conhecido e consumido, por fatores políticos, interesses comerciais ou qualquer outro motivo, e apesar do muito esforço que os músicos vem fazendo ao se desvincularem das gravadoras e partirem para o disco independente, ou pequenos selos, associações etc, é muito difícil transpor as barreiras para que o trabalho tenha uma ampla divulgação e distribuição, já que essa engrenagem só funciona no Brasil, e daí para o mundo quando se injeta nela muito dinheiro, o que a maioria dos músicos não possui. Quando muito sobrevive-se com atividades paralelas, aulas e atuando em vários grupos musicais, para que se consiga pagar as contas no fim do mês.

Como e quando os músicos ficaram sabendo deste “golpe” da censura? E qual foi a reação? ( revolta, decepção, tristeza ou achavam que já era de se esperar, conformismo.)

Naquela época, 1976, ano em que meu filho nasceu, todos nós já tinhamos passado por experiências desagradáveis com o sistema. Eu por exemplo, assisti a debandada de todos ou praticamente todos os meus ídolos para a América do Norte ou Europa. Vi a noite esvaziar-se em São Paulo e no Rio, até não se ter mais onde tocar, e os que ficaram tinham de se submeter ao direcionamento de produtores de estúdios, pois com as gravações era onde se podia ganhar um pouco melhor, e esses produtores, por sua vez, estavam submetidos à vontade de seus superiores, e assim por diante, como numa hierarquia militar. Tratava-se porém de Arte. Dentre todos os que tinham reações como revolta, decepção, tristeza ou conformismo, nós, a partir de 1973, quando Hermeto formou seu grupo, do qual eu fazia parte, decidimos arregaçar as mangas e desenvolver um trabalho aqui no Brasil (é importante ressaltar que não éramos uma aldeia global, com toda essa informação e acesso que hoje é possível através de internet, tv via satélite etc), e lutamos com unhas e dentes através de nosso trabalho, com a nossa música, para que se estabelecesse um novo cenário artístico, sem tocar no passado, mesmo sabendo de sua importancia, para que talvez no futuro, que é o que está ocorrendo hoje, as novas gerações pudessem resgatar toda essa riqueza e poder usufruir dela da melhor maneira. Essa era a nossa atitude naqueles anos. Estávamos conscientes da realidade, embora cada um tivesse uma maneira diferente de enfrentá-la ou lidar com ela.

Você percebeu algum clima de receio ou de preocupação excessiva por parte do Taiguara ou dos produtores, músicos, enfim, das pessoas envolvidas neste trabalho? Antes do cancelamento? E depois?

Não havia nenhum clima ruim, era um trabalho regular, que todos fizeram e receberam por ele. Como disse anteriormente, quando o trabalho terminou, voltamos para casa (eu estava muito feliz com minha nova bateria), e tínhamos apresentações com o grupo do Hermeto já na outra semana. O Taiguara esteve lá e o clima naquele momento era de alegria por parte de todos.

Quanto ao show, ele ocorreria, me parece, meses depois, e aí não estávamos a par dos acontecimentos, portanto não há como fazer qualquer comentário a respeito.

Como foi gravar com o Taiguara?

Foi uma ótima experiência, ganhei um amigo. O Taiguara sempre elogiou o meu trabalho, em todas as vezes que nos encontramos. A turma toda era fabulosa! Grandes camaradas. Tenho as melhores lembranças daquele mês que passamos juntos.

Como ele era dentro do estúdio?

Da mesma forma que fora. Era a mesma pessoa, pois dominava a sua arte e não tinha porque ser diferente ao atravessar uma porta.

Este trabalho foi muito diferente de outros em que você participou naquela época? E hoje, ainda pode considerá-lo diferente?

Por ter sido uma "superprodução" para a época, com tantos músicos excelentes, arranjos maravilhosos, uma convivência que só me enriqueceu o espírito, considero um dos grandes trabalhos dos quais participei. A boa música é eterna, se tocar o coração de quem a ouve.

Você já ouviu alguma crítica relevante a respeito do Imyra feita por alguém do meio musical?

Sim, houve gente que comprou o disco, como eu mesmo o fiz. Não sei qual foi a tiragem, quantas cópias foram distribuidas, ou quantas foram retiradas de circulação, como agora está sendo revelado, ao menos para mim, mas eu sempre ouvi muitos elogios de quem ouviu o trabalho.

Do pouco que sabemos sobre o que se disse na mídia naquela época , sabemos que o Sérgio Cabral “desancou” o trabalho, ainda não tivemos acesso ao texto, provavelmente publicado no Jornal O Globo em 1976, você chegou a ler esta crítica?

Não tive acesso a essa crítica, mas tenho duas outras que guardo comigo, que falam muito bem do trabalho: uma é de um jornal do Rio e outra é de uma revista especializada, das poucas que havia na época.

Na sua opinião o que “chocou”, desgostou ou incomodou o Sérgio Cabral? Teria ele procurado o Taiguara-Modinha dentro do Imyra, Tayra, Ipy, Taiguara, e se decepcionado por não tê-lo encontrado?

Talvez seja isso, mas não acho que se deva dar tanto valor a uma crítica negativa, venha de quem vier. O fato é que o disco "Imyra, Tayra, Ipy, Taiguara" é muito maior e belo do que qualquer crítica da época. Veja por exemplo o que aconteceu com Stravinsky e a "Sagração da Primavera". Jogaram ovos e sei lá mais o que. A arte moderna no Brasil, a Semana de 22. Aqueles que jogaram ovos estão aí? Quem são eles? Mas a arte sobreviveu, como sobreviverá sempre.

A medida em que o Taiguara passou a dar a algumas de suas letras um sentido político-social, e depois de expressar as suas opiniões sobre o seu país, o seu governo, a sua cultura e o seu povo em entrevistas, a mídia passou a enfatizar o fato dele ter nascido no Uruguai. Na sua opinião gato que nasce no forno é biscoito? Taiguara era brasileiro? “Carioca da gema ou do umbigo da cuíca”?

Taiguara, pelo relativamente curto, mas intenso contato que tivemos, era um homem que se preocupava com a natureza, com os povos indígenas de toda a América do Sul. Músico, filho de músico, tinha um grande talento, cantava e tocava muito bem, compunha, era um ser político e politizado, que expressava suas opiniões através das letras e poesia de suas músicas e que tinha convicção sobre aquilo que expunha. Considero que era um cidadão do mundo, muito mais que uruguaio, brasileiro ou carioca da gema, pois quem faz uma grande arte, transpõe todos esses limites, mantendo todas as suas raízes, quaisquer que sejam elas.

Por que o Imyra, Tayra Ipy deve ser lançado no Brasil?

Não só no Brasil, mas em todo o mundo!

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